Uma separação conjugal é por si só um período onde o casal e sobretudo os filhos atravessam um momento de perdas, que muitas vezes chegam a trazer consequências emocionais e psíquicas importantes para todos os envolvidos. É nessa fase, com o divórcio consumado ou não que o drama de quem vai ficar com os filhos se apresenta. Muitas serão as perdas a serem enfrentadas e elaboradas, e cada membro da família envolvido nesse processo terá seu próprio trabalho de elaboração do luto. A família idealizada desmorona e cuidar dos efeitos dessa perda se torna fundamental para a saúde psíquica e emocional de todos.
Em meio a conflitos e negociações, os adultos protagonistas da situação experimentam na maioria dos casos, afetos mais primitivos, revivendo questões da própria história familiar pregressa. Essa confusão em muitas vezes os impedem de olhar para os sofrimentos dos filhos, fazendo com que fiquem aprisionados em seus narcisismos feridos. Pensar no bem-estar dos filhos, assegurando que o ambiente possa seguir um curso de continuidade mínima necessária para a constituição da subjetividade se mostra a melhor direção para encaminharmos essa situação.
A psicanalista francesa Françoise Dolto muito se debruçou sobre as questões das crianças na situação do divórcio. Ela se preocupava com a “integridade” corporal das crianças nesse momento de desconstrução familiar. Parece-nos que é nessa mesma linha que o atual funcionamento do direito da família em nosso país se coloca propondo a Guarda compartilhada. No Brasil, até 2014, a guarda dos filhos ficava na grande maioria dos casos sob os cuidados maternos, estabelecendo-se alguns períodos de “visitas” para o pai, na chamada guarda unilateral. A partir desse ano, com a nova lei federal de número 13.058, foi estabelecida a Guarda compartilhada como regra, estabelecendo que ambos os genitores – pai e mãe - ficam responsáveis pela criação e tudo o que diz respeito aos filhos.
Estabelecem entre si, com a ajuda de um profissional do direito da família, os modos como dividirão o cotidiano, a distribuição do convívio dos filhos com cada um, discutem assuntos como mudanças de escola ou outras juntos. Os filhos, em geral, principalmente em tenra idade, terão um único lar como referência e não caberá aqui a alternância do mesmo. Em outras palavras, esse modo de guarda viabiliza que ambos continuem exercendo seus papéis parentais apesar de os papéis conjugais terem sido dissolvidos. A marca simbólica da presença de ambos os pais/genitores é o eixo principal da proposta.
Lembramos que não há um modo único de construir a divisão das responsabilidades entre pai e mãe e que uma importante contribuição da psicanálise é nos descolar da biologia mãe=mulher e pai=homem, pois as funções maternas e paternas acontecem independentemente da condição biológica do casal (hetero ou homo parental). Os filhos precisam ser olhados e cuidados, e assegurar seu bem-estar dentro do momento caótico a que pode chegar um processo desse tipo é fundamental. A integridade emocional e física das crianças deveria ser o norteador para orientar os pais e também os profissionais envolvidos nessa nova etapa da vida, em que uma reconstrução é possível após o desmoronamento.
Texto escrito por Karina Soares
Psicóloga e psicanalista, integrante do Entrelacer psicanálise e infância
e por Maritza Franklin Mendes de Andrade
Advogada, mediadora de conflitos, mestre em Direito Civil, presidente da Comissão de Direito de Família da OAB/SJC, coordenadora do Núcleo do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família de São Jose dos Campos
Fonte do Texto: www.entrelacer.com.br