“Entendi há muito tempo até que ponto deixar as crianças na solidão (não no isolamento), respeitar sua solidão aparentemente desocupada, é indispensável para que elas não se tornem robôs dos outros. É muito importante. Não se percebe isso muito bem.” Dolto
Segundo Rudolf Steiner, criador da pedagogia Waldorf e da Antroposofia que a embasa, a criança pequena precisa aprender a respirar. Essa afirmação soa um tanto misteriosa: como assim aprender a respirar? Se a primeira coisa que fazemos ao sair do ventre materno é inspirar o ar e logo exalá-lo de nossos pulmões. Pronto, nascemos respirando, não é algo que seja necessário aprender. Mas quando ampliamos nossa ideia sobre a respiração, percebemos o quão importante e verdadeira é essa afirmação.
O diálogo inicial entre o bebê e seus cuidadores se relaciona com esse respirar em um sentido amplo. Um verdadeiro diálogo acontece quando o adulto convoca o bebê com sua fala melodiosa, com suas canções e brincadeiras e, nesse encontro, leva em consideração as reações do bebê, tomando-as como respostas ou convocações. Acontece um ritmo entre o que vem de fora para dentro e o que vem de dentro para fora, assim como o inspirar e o expirar de nossos pulmões.
A abordagem Pikler vem trazer uma contribuição ímpar em relação à postura do adulto disponível para dialogar com a criança, que é considerar e esperar seu tempo de resposta e de agir por si própria. O bebê é considerado um sujeito ativo desde o início e por isso não se antecipa suas ações e conquistas psicomotoras. Não se faz coisas nele, ou por ele, mas sim, com ele, considerando sua participação ativa. Trata-se de propor uma verdadeira troca, uma relação que “respira”.
De acordo com Winnicott, é importante que a criança possa “estar só na presença do adulto”. Esse espaço entre o cuidador e a criança é imprescindível para o desenvolvimento da criatividade.Desta forma, podemos ampliar mais ainda nossa concepção de respiração, e afirmar que respirar é ser capaz de criar! De receber algo do mundo e também de deixar algo de si. Uma vida sem criatividade é uma vida, entre outras coisas, depressiva…
Em seu livro, O tempo e o Cão, Maria Rita Khel defende a compreensão do aumento de casos de depressão como um sintoma social. As características de nosso tempo que contribuem para o aumento das depressões, segundo ela, estão relacionadas justamente com um ambiente que não permite à criança ter seu próprio tempo. Em suas palavras o depressivo “sofre dos efeitos da pressa do Outro”.
Ocorre que os cuidadores se precipitam para atender às necessidades que supõem na criança, não permitindo que ela se depare com seus próprios limites e que aja por si própria. A criança é sufocada pelas demandas, cuidados, ações que partem dos outros, e fica sem oportunidade de desenvolver sua potencialidade criativa.
Segundo Khel, a angústia que a pessoa depressiva sente está relacionada com uma ameaça constante de ser tomado como objeto dos outros, como se soubessem mais do que ela, já que houve muito pouco espaço para que ela colocasse algo dela no mundo, durante sua primeira infância.
No âmbito da educação infantil, priorizar as atividades dirigidas, em detrimento do brincar livre acaba sendo uma cilada, pois no intuito de oferecer recursos para as crianças serem bem-sucedidas no futuro, distrai-se a criança dela mesma.
Quando o adulto está oferecendo seus conteúdos, ele também está demandando uma resposta da criança. Desta forma, com a demanda do adulto sempre presente, ela não encontra um lugar vazio de onde poderá criar suas motivações próprias. O resultado é o oposto do que se espera, ela poderá crescer sentindo-se com poucos recursos para enfrentar os desafios da vida.